Quem são as verdadeiras It Girls?
Aura, it factor, je ne sais quoi... ou, como a gente prefere por aqui, crème de la crème.
Tem dias que tudo o que eu queria era ser apenas uma observadora. Só isso. Sentar num café, cruzar as pernas com um ar de eu-não-ligo-tanto-assim e ver quem entra. E, se eu tiver sorte, ela aparece: uma garota que entra no ambiente como se fosse dela. Não necessariamente a mais estilosa, nem a mais extrovertida. Mas a que segura o olhar alheio por alguns segundos a mais do que o comum… e você sabe que ela não esta se esforçando. Ela só é. Ela só tem.
Esta semana me peguei obcecada por essa presença. Esse it. Aquele algo que não dá para nomear, só sentir. A aura. O magnetismo. O crème de la crème.
E, mais do que isso, por onde andam essas figuras hoje?
Essa edição é um passeio (ou uma investigação, rs) sobre as verdadeiras it girls — da Clara Bow à Chloe Sevigny, da sua colega do trabalho até Angelica Bucci, minha convidada da vez, que personifica esse je ne sais quoi tão raro e tão… difícil de explicar. Mas talvez seja essa a graça: não dá para replicar.
E se em algum momento você se reconhecer aqui… bem, talvez você seja uma delas.
Junia Lopez
Já se perguntou o que faz alguém ter aquele je ne sais quoi? Aquele magnetismo indecifrável e até meio misterioso?
Outro dia, li uma frase em uma matéria da CNN em parceria com a Business of Fashion que dizia: “Mesmo que você tenha todas as ferramentas e siga todos os cálculos do que é necessário para ser uma It girl, ainda assim pode não acontecer. É preciso ter aquele It factor para funcionar.” E foi aí que a pergunta se impôs na minha mente: o que exatamente define uma it girl? O que essas figuras carregam que nos hipnotiza há mais de um século?
O termo foi popularizado em 1927, com o filme It, estrelado por Clara Bow — a primeira “It Girl” oficial. Inspirada no livro de Elinor Glyn, a trama explicava o conceito como um magnetismo indefinível, uma mistura de charme, atração e confiança. Lucile, a estilista Lady Duff Gordon, ajudou a consolidar o termo no universo da moda, descrevendo mulheres que eram muito mais do que bonitas ou bem vestidas. Eram presença.
E essa presença atravessou gerações. Clara Bow e Jean Harlow nos anos 1920 e 30. Audrey Hepburn, Elizabeth Taylor, Grace Kelly nas décadas seguintes. Edie Sedgwick, Jane Birkin, Twiggy nos anos 60. Naomi Campbell, Kate Moss, Cindy Crawford nos anos 90. Paris Hilton, Nicole Richie, as gêmeas Olsen nos anos 2000. E, claro, Alexa Chung nos anos 2010 — talvez a última grande it girl millennial, que eternizou seu status ao lançar, em 2013, o livro IT, um compilado de referências que moldavam sua estética e sua personalidade (exatamente o tipo de livro que uma it girl escreveria, rs).
Mas ser it nunca foi só sobre fama. Já em 1904, Rudyard Kipling escreveu no conto Mrs. Bathurst: “Não é exatamente beleza, nem papo bom. É só… it. Algumas mulheres ficam na memória só de passarem uma vez pela rua.” Você conhece uma quando vê, não porque ela está performando, mas porque carrega aquela aura até no gesto mais corriqueiro.
É essa qualidade que fez Chloe Sevigny, aos 19 anos, virar tema do icônico artigo Chloe’s Scene, escrito por Jay McInerney para a New Yorker em 1994. Sete páginas inteiras dedicadas a tentar decifrar o porquê daquela garota, sem superproduções nem fama hollywoodiana, ser considerada uma das pessoas mais cool do mundo. Não era sobre luxo: era sobre o olhar, o repertório, o jeito único de combinar garimpos de flea markets nova-iorquinos. Algo que ninguém sabia nomear, mas todo mundo sentia.
E talvez seja exatamente aí que mora o segredo. Não adianta apenas ter os ingredientes certos. Algumas pessoas parecem ter tudo para ser it… mas simplesmente não são. Porque o it factor não se força, não se fabrica, não se ensaia. Ele ultrapassa beleza, dinheiro, status. Ele exige personalidade, carisma, mistério. Ele não está no look, mas no jeito como alguém ocupa o espaço — e como, de alguma forma, faz você lembrar dela depois.
Hoje, parte do nosso fascínio por it girls vem da falta que elas fazem. Com as redes sociais, ficou fácil ter acesso total a essas figuras — e perceber que muitas não estão ditando nada, apenas seguindo. Antigamente, precisávamos adivinhar qual drink nossa musa preferida pedia no bar, o que ela lia, onde garimpava suas peças. O mistério era parte do encanto.
E ser it nunca foi sinônimo de celebridade. Elas podem estar por aí, passando pela padaria do seu bairro, circulando pelo backstage de uma campanha onde a estrela se acha “a mais cool” (mas, cof cof, não é). A it pode estar no seu trabalho, na sua faculdade, no seu círculo de amizades… pode até ser você.
No fim, esse je ne sais quoi é exatamente isso: indefinível. Você não explica. Você sente.
Como Alexa Chung já citou, “Bom estilo é um subproduto de uma personalidade interessante.” E isso, lamento informar, não vem com tutorial.
As it girls continuam por aí. Você só precisa saber onde (e como) olhar.
Se esta curtindo o tema desta edição, vale ler também a anterior: “E se a peça mais ousada do seu armário fosse… a sua personalidade?”, onde falo sobre a construção de um estilo próprio e a importância de ter boas refs.
Ao redigir o texto principal desta edição, não consegui evitar uma provocação interna: quem são as it girls do meu próprio círculo?
Assumi a tarefa como uma “missão” (vocês sabem como eu sou, rs). Comecei a olhar ao redor: quem tem aquele algo a mais? Quem mistura peças como ninguém e chega nos lugares com uma energia diferente?
A resposta não demorou a se materializar bem na minha frente: Angelica Bucci.
Seriam os looks com pegada vintage? A empolgação expansiva? A aura cool e, ao mesmo tempo, effortless? Bom, nada mais justo do que convidar a própria para ser a Crème de la Guest desta edição.
Se tem alguém que traduz o it factor na prática, é Angelica Bucci. Influenciadora e fundadora da marca homônima, ela carrega aquele je ne sais quoi que não vem pronto e nem pode ser comprado. Ela mesma admite: esse magnetismo não nasce do nada.
“Ser você mesma, de verdade, dá trabalho”, diz Angelica. Esse tal “borogodó”, como ela chama, vem de um processo constante de autoconhecimento, de encontrar o que funciona para você, de transformar referências em algo que te represente. Não basta ter um bom olho — é preciso construir repertório, treinar o olhar, refinar as escolhas. E, acima de tudo, fazer isso ao longo do tempo. “Todas as mulheres que admiro mostram algo que vem da alma, mas que foi elaborado ao longo dos anos.”
No caso dela, esse universo começou em casa. O armário clássico da mãe virginiana, o olhar estético apurado do pai, os tios, os avós, tudo foi formando a base do seu gosto. Depois vieram as musas: Jane Birkin, Alexa Chung, amigas próximas como Carollina Lauriano, Pamela Barja e Stefany Park. Angelica não é uma copiadora de tendências — é uma garimpeira de referências. As décadas de 50, 60 e 70 estão sempre presentes no seu radar, mas nunca aparecem de forma caricata. “No final, tudo vira um grande mix que vamos incorporando conforme crescemos.”
Seu repertório criativo, aliás, é algo à parte. Filmes com estética potente, como The Dreamers, no MUBI, e O Cheiro do Ralo, com Selton Mello, fazem parte do seu radar, assim como documentários sobre moda, entre eles os de Balenciaga, Dior e o icônico Diana Vreeland: The Eye Has to Travel.
“Eu acho que treinar o olhar para estar sempre atento, para estar sempre observando o nosso entorno... Às vezes é uma coisa óbvia, mas pode surgir uma ideia a partir daquilo.”
Em festivais de música, em viagens, em museus e exposições, ela observa tudo. “Quando você está escutando uma música, é procurar mais sobre o artista, entender a identidade visual dele.” Cher e Rita Lee aparecem como influências estéticas e musicais, enquanto detalhes como a paleta de uma parede de azulejos numa padaria de bairro também entram no radar de Angelica.
“Expandir o olhar não é ficar nas mesmas referências óbvias, é buscar em lugares inesperados.”
Esse olhar também guia sua marca. A Angelica Bucci nasceu para atravessar o tempo, conectando passado, presente e futuro. O blazer Tita, com decote inspirado em uma blusa da avó e botões que, segundo ela, demoraram um tempão para serem achados, e o cardigan Carolina, com dois tons e golinha arredondada, são peças pensadas para durar. Para um dia serem garimpadas.“Quero que brilhem hoje e ainda tenham significado daqui a décadas.”
Seu casamento, claro, foi uma extensão da sua assinatura. Foram duas celebrações, e nenhuma delas seguiu o caminho óbvio. A primeira aconteceu na capelinha da fazenda da família, no interior do Paraná. Para o momento, Angelica escolheu dois vestidos: um Vera Wang dos anos 90, encontrado na boutique vintage Happy Isles, em Los Angeles, com saia rodada e silhueta midi. O segundo, feito sob medida por Rodrigo Rosner, tinha mangas longas e partia da referência do vestido de casamento de Sharon Tate.
A segunda cerimônia aconteceu em Londrina, na casa dos pais, o mesmo lugar onde ela e Pio deram o primeiro beijo, quinze anos atrás. Inspirada pelo vestido de Kate Moss em um red carpet de 2007, Angelica encontrou seu vestido ideal em um e-commerce especializado em achados vintage: um Bonwit Teller original dos anos 30, peça de uma antiga loja de departamento de luxo nova-iorquina. Para a festa, escolheu outro vintage: um Vera Wang dos anos 90, que ganhou intervenções pontuais inspiradas nos arquivos da Dior dos anos 50, mais uma vez assinadas por Rosner.
Como ela mesma resume, “Queríamos verdade. Quando estamos alinhados com o que importa, tudo flui naturalmente.”
E, claro, perguntei: o que é o crème de la crème do seu universo hoje? A nossa it girl responde com uma lista que mistura livros, playlists, astrologia, viagens, filmes, séries e pequenos rituais. Angelica lembra: “A clareza não vem antes da ação, ela nasce da ação.”
No mundo das it girls, talvez essa seja a maior lição: o it factor não é um presente, é uma construção. E as melhores it girls são justamente aquelas que, sem perceber, tornam isso… o seu crème de la crème.
Angelica é guiada por uma frase de Rumi: “À medida que você começa a caminhar pelo caminho, o caminho aparece.” Isso se traduz no seu crème de la crème atual:
Livros: Oração para Desaparecer, De Quatro, Pequena Coreografia do Adeus;
Playlists: clique aqui para a playlist do casamento religioso; e aqui para a playlist do casamento principal.
Astrologia: Aplicativo Astrojourney e horóscopinho da Br00na no Spotify e na Elle;
Viagens: Atacama, Cidade do México, Oaxaca e Salvador;
Hotspots: Exposição “A Ecologia de Monet” no MASP, Z Deli Restaurante & Delicatessen, Restaurante Sororoca e frango frito do Tanuki Sushi;
Filmes: O Cheiro do Ralo, Moonstruck, The Dreamers, Drive My Car, Retratos Fantasmas, Fale com Ela;
Plataforma de Streaming: MUBI;
Séries: Hacks (MAX), Somebody Somewhere (MAX), Estúdio (Apple TV);
Beleza: Batom cremoso Sensa no tom Soneto, blush Afterglow Orgasm Rush da NARS, protetor solar com cor da Isdin;
Rituais pessoais: dormir cedo, acordar sem despertador, tomar sol, café da manhã caprichado, garimpar peças, ficar em casa com o chihuahua Choco, tirar fotos analógicas.
Quais são as suas it girls favoritas? Da celebridade àquela garota que carrega o crème de la crème sem nem tentar?
1. O scarpin desfilado na última coleção da Le Shay está vivendo rent-free na minha cabeça;
2. Festa Junina, but make it fashion, tá?
3. Calça “Aladin” chegando com força — e eu tô amando!
4. O vestido chemise da Angelica Bucci com a padronagem mais linda.
pra mim, as verdadeiras It girls também estão aqui lendo essa matéria incrível e cheia de refs
Amei!!!! E refleti sobre como a internet pode nos fazer criar falsas impressões sobre “it girls”. A presença, a aura… não são sentidas pela tela do celular. 🙃