E se a peça mais ousada do seu armário fosse... a sua personalidade?
Repertório, microtendências e construção de estilo com insights de uma special guest afiada.
Ultimamente, tenho pensado muito no que faz um look ser só bonito e no que faz ele ser meu. Porque, entre a overdose de microtendências e excesso de referências, fica fácil se perder.
Nesta edição da Crème, resolvi puxar o freio: o que significa ter um estilo pessoal quando estamos todos programados para desejar as mesmas coisas? Como construir um guarda-roupa que conte uma história própria, e não só sinalize que você está hiperconectada?
Para esse papo, chamei Julia Almeida, stylist e expert em misturar refs improváveis sem perder autenticidade (sim, isso é possível!!!). Ela divide truques, influências e até dicas práticas para quem, assim como eu, quer escapar do uniforme ditado pelo TikTok e construir algo com personalidade.
E, porque ninguém aqui é de ferro, abro também minha creamy wishlist atual e, claro, as minhas weekly obsessions.
- Junia Lopez
Se estilo pessoal fosse só sobre escolher as peças certas, o mundo estaria lotado de gente estilosa.
Semana passada, parada na fila de embarque em Congonhas, reparei em uma senhora ao lado: óculos Miu Miu redondinhos (você sabe qual), Adidas Samba e dois Labubus imensos pendurados na bolsa. Olhei meu reflexo no vidro, em um mix de constrangimento e desespero, em busca de sinais semelhantes — e encontrei.
Não me entenda mal, seguir tendências sempre fez parte do jogo. Das mangas bufantes de 1890 às bocas de sino dos anos 70 e os skinny jeans da era Tumblr, o vaivém da moda nunca saiu de cena. A diferença é que, antes, as tendências vinham de algum lugar: de uma subcultura, uma cena musical, uma ideia. Hoje, elas nascem no TikTok e morrem antes da próxima notificação. Como resumiu a editora de moda Alexandra Hildreth, dá para adivinhar o tempo de tela de alguém só olhando para a roupa que ela veste. Ou seja: o seu estilo virou reflexo do seu algoritmo.
O resultado são armários lotados de “peças desejo” que não contam história nenhuma. Segundo a Vogue Business, a Geração Z costuma comprar roupas encaixadas em microestéticas passageiras, sem formar um estilo coeso. E estamos obcecados, como aponta Chris Black na GQ, pela peça certa — aquela que entrega prazer instantâneo, performa bem no espelho e gera like.
Só que estilo leva tempo.
A resposta, então, não está em comprar mais, mas em escolher melhor: o que atravessa fases, versões, humores. O que sobrevive ao algoritmo. Pessoas com estilo consistente não têm apenas um bom olho — têm um bom filtro. Sabem o que funciona. E, mais importante, sabem o que ignorar.
Iris Apfel já cravou que muita gente simplesmente não sabe quem é, e por isso se sente mais segura parecendo com os outros ou seguindo o visual que dizem estar em alta. “Você pode aprender a ser mais fashion, a se vestir melhor — mas não a ter estilo”, ela diz.
E a única forma de desenvolver o seu próprio estilo? Repertório.
Ele vem das coisas que você viveu, das referências que você acumulou, das histórias que marcaram seu olhar. Está nos seus filmes favoritos, nas músicas que você escuta, nos lugares que moldaram sua visão de mundo. Está nas cores que te atraem sem motivo, nos detalhes que você repara e nos shapes que você repete sem perceber. Não dá para construir uma identidade estética sem ter identidade nenhuma por trás. No fim, estilo não é uma soma de roupas: é o reflexo do que te move, do que te inspira e do que você escolhe levar com você.
Então, da próxima vez que você pensar “quero ser estilosa”, talvez a pergunta mais honesta seja: você quer se parecer com você mesma ou com todo mundo?
Stylist, camaleoa e dona de um olhar afiado, a Crème de la Guest desta edição mistura como poucos o experimental e o emocional. Em tempos em que tudo parece igual, Julia entrega suas combinações favoritas, os nomes que aguçam seu olhar e dicas certeiras para quem quer construir (ou descobrir) o próprio estilo pessoal.
Você tem um estilo autêntico — especialmente dentro do cenário brasileiro. Como você descreveria o seu estilo hoje?
Tenho dificuldade de definir meu estilo com poucas palavras, porque ele está muito ligado ao mix. É eclético, intuitivo e está sempre mudando. Amo pessoas com uniformes e estilos bem definidos, mas definitivamente não sou esse tipo (risos) — me visto muito de acordo com o humor. Tem dias em que sou mais romântica, outros mais moleca. Gosto de aderir tendências à minha maneira, sempre adaptando para o que funciona para mim.
Misturar estéticas que a principio não combinam é uma fórmula que sempre funciona pra mim e sempre trazem esse elemento inusitado que eu amo.
E algumas peças que sempre aparecem por aqui: óculos escuros, graphic tees bem oversized e calças baggy são must-haves no meu armário desde sempre.
Como funciona esse processo de escolha na hora de montar um look?
Desde novinha, sempre gostei de testar roupas por horas. Eu literalmente monto looks como se fosse um laboratório: provo, erro, acerto. Tenho álbuns no celular com fotos das combinações que dão certo e notas com ideias que vêm até em sonhos (juro!). Escolher look no dia, pra mim, é receita pra frustração. Se não deu tempo de pensar antes, vou de camiseta oversized, uma boa calça e óculos escuro. Nunca falha!
Seu estilo parece muito mais sobre repertório do que sobre tendência. Quais experiências ajudaram a moldar esse olhar?
Sempre acreditei que estilo precisa refletir vivência — e não o contrário. Não dá pra sustentar uma estética punk sem carregar o mínimo de questionamento político, por exemplo. No meu caso, muito do que visto hoje vem dos lugares por onde passei.
Nasci e cresci em Salvador, uma cidade com uma cultura extremamente rica — que durante muito tempo eu reneguei, buscando referências de fora. Hoje, faço o movimento inverso: trago pro meu estilo elementos como renda, cores vibrantes, estampas, búzios. Também passei boa parte da infância nas fazendas da minha família, com direito a tudo que se pode chamar de “infância raiz”. Isso trouxe o jeans, o couro, os babados, o xadrez, as fivelas — elementos que se mantêm no meu armário como códigos visuais da minha história.
Minha adolescência grunge também deixou cicatrizes de estilo. Enquanto as outras meninas estavam no auge do One Direction, eu estava obcecada por Nirvana, 30 Seconds to Mars e Arctic Monkeys. Essa fase mais introspectiva e “dark” ainda aparece nos meus looks — hoje mais diluída, mas presente.
Minhas viagens também tiveram impacto direto na forma como me visto. O Japão, em 2017, despertou meu interesse por subculturas, streetstyle e literatura asiática. Pouco depois, um intercâmbio no Canadá me afundou no universo do vintage— passei semanas entrando e saindo de brechós garimpando peças especiais.
E tem ainda as referências soltas, mas tão importantes quanto, que estão sempre por perto:
John Galliano, Paco Rabanne, Alexander McQueen, Vivienne Westwood, Nikki de Saint Phalle, Lady Gaga, Devon Lee Carlson, Peggy Gou, Chloë Sevigny, Ryan Murphy, David Lynch, Wes Anderson, Haruki Murakami, Adriana Varejão, Rupaul e o universo drag, o streetstyle asiático, o cinema (principalmente dos anos 90 e 2000), e os livros (especialmente os de distopia).
Em resumo, meu estilo é um mix das coisas que vivi e que ainda carrego comigo.
Quais fórmulas ou combinações você repete com gosto?
Algumas combinações sempre voltam nos meus looks com gosto:
Mix de duas ou mais estampas;
Look monocromático com acessório de cor diferente (bolsa, sapato ou lenço);
Sobreposição de saia sobre calça;
Look romântico com sapato esportivo;
Combinações de cores que amo: vermelho + azul, rosa + azul, rosa + vermelho, azul + amarelo;
Texturas contrastantes, como couro com renda ou paetê com jeans;
Vestido sobre calça;
Gosto desse tipo de construção porque traz um elemento inesperado; é isso que me diverte na hora de me vestir!
Entre tantas tendências que surgem e desaparecem, o que está no seu radar agora?
Sinto que com a velocidade das tendências, tudo e nada está “trending” ao mesmo tempo. Mas, se eu for apostar em uma trend, são as sapatilhas com cara de tênis — tipo o modelo da Miu Miu que comprei recentemente e tenho usado todos os dias. Ele também conversa com outra tendência que estou amando: os peep toes repaginados, desde versões de botas até sapatilhas e tênis.
Pra quem ainda está tentando se encontrar esteticamente: por onde começar?
Curiosidade. O problema hoje é que muita gente quer parecer antes de entender. Estilo vem de repertório — dos filmes, livros, músicas e experiências que você realmente vive. Também é sobre testar, experimentar silhuetas e entender seu corpo. E sobre observar sua rotina: o que combina com o seu dia a dia de verdade? No meu caso, salto não cabe. Então me expresso de outras formas.
Quais são as peças indispensáveis no seu armário?
Minha bota over the knee da Courrèges, que me dá 2 metros de altura e confiança inabalável. Minhas calças vintage, que vestem como uma luva. Sapatilhas que equilibram meus looks mais esportivos. E bolsas coloridas, que dão um toque de personalidade a qualquer look.
E pra fechar: o que está na sua wishlist agora?
As Oblique Boots da Courrèges
A bolsa Passeggiata da The Attico no maior tamanho possível
Tudo da Aluf! Mas principalmente o vestido Lela listrado, a calça Gomes off e o macacão Pierrot rosa
Violet Papers Magazine
Descobri recentemente a Violet Papers e até me perguntei: onde eu estava que não sabia disso antes? Criada pela influencer parisiense Lara Violetta, a revista impressa combina moda, cultura pop e arte com uma estética super afiada e criativa. A terceira edição lança esta semana e não vejo a hora de garantir a minha!
Sofia Coppola is forever that girl for I-D
Em entrevista à i-D, Coppola relembra os 25 anos de As Virgens Suicidas e lança um livro com fotos inéditas do backstage do longa. Mais do que nostalgia, o material relembra o impacto cultural que o filme teve — foi dali que surgiram estéticas que mais tarde virariam febre no Tumblr (amamos).
SKIMS Ultimate Pierced Nipple Bra
Preciso dizer que a SKIMS me pegou com o novo lançamento: um sutiã com piercing fake embutido, feito para marcar sob a roupa. Sexy, fun e provocador. Se você me vir por aí com dois “piercings” desenhando a camiseta, saiba que estou vivendo O momento, rs.
Batom Sensa Cremoso | Vic Beauté
Um favorito do momento é o Batom Sensa Cremoso, da Vic Beauté, no tom Prosa. Conheci o lançamento em um evento charmosíssimo da marca, em uma cafeteria-livraria, e saí de lá obcecada. Eu já estava na busca pelo batom nude frio perfeito (e achei!!). Aliás, estou numa fase total de tons frios, em tudo!
Eu pessoalmente acredito que um estilo com personalidade se constrói com aquelas peças que injetam frescor e um toque fun no guarda-roupa. Aqui, alguns desejos que estão ocupando um espaço na minha cabeça agora:
Livro “Paris é uma Festa”, de Ernest Hemingway
Falando em repertório… não poderia deixar de inserir um item para alimentar a minha bagagem. Fico até um pouco envergonhada em assumir que nunca li Paris é uma Festa, mas já está na minha lista!
Havaianas
Literalmente ultrapassam qualquer barreira de estilo pessoal, né? Esse novo tom em creme me deixou louca!!! Na próxima vez que eu passar na frente de uma loja, já vou garantir meu par.
Calça Jacquemus
Estou bem de olho em calças jeans no modelo balloon. Acho super descolado e adoro como elas trazem novas proporções ao look. Amei especialmente essa da Jacquemus, mas já vi umas opções bem interessantes na Zara também.
Blusa Cobra TIG
Sou bem fã de animal print, e gostei muito dessa blusa em tule traspassada com a padronagem de cobra.
Bolsa Jujuba Verde Picles
Ando sentindo falta de mais uma bolsinha fun no meu closet… estou de olho em bolsas no tom verde, e essa, descontraída e divertida, é perfeita para dar um up nos looks.
Camille Repetto x Marine Serre Ballet Flats
Ai… preciso falar? Desde que essa collab saiu, fico suspirando pensando nessas sapatilhas.
adoro os seus textos, Junia!!!! não sumaaa :'(
♥️Tem um pouco de “Você não fotografa com sua máquina. Você fotografa com toda a sua cultura.” do Saudoso Sebastião Salgado. 😢