Entre céu, inferno e front row
Pecados, tendências e o crème de la crème da temporada.
Se há algo que a moda e a literatura têm em comum, é a capacidade de transformar o caos em história. Quando Dante Alighieri escreveu A Divina Comédia, ele criou um mundo onde cada pecado era categorizado e punido. O inferno, para ele, era uma estrutura bem definida. Mas se Dante tivesse vivido as semanas de moda, talvez percebesse que o verdadeiro caos não tem roteiro – ele acontece entre um desfile e outro, nos excessos da primeira fila, nas tendências que surgem e evaporam.
Nesta edição, fiz minha própria leitura fashionista do inferno de Dante — um tour pelos pecados capitais da indústria. E, claro, para não dizerem que só critiquei, selecionei os meus highlights das tendências das últimas fashion weeks. Afinal, entre os círculos do inferno, ainda existem momentos de redenção.
Enjoy!
Junia Lopez
Se Dante Alighieri tivesse vivido para ver uma primeira fila lotada de celebridades aleatórias e fashionistas sendo barradas na porta de um desfile por não serem relevantes o suficiente, ele teria reescrito A Divina Comédia para incluir um décimo círculo no inferno. Mas como ele não está aqui, eu assumo o papel.
Seja bem-vinda ao Inferno da Fashion Week, onde os pecadores da moda cumprem suas sentenças – alguns em assentos privilegiados, outros vagando pelos arredores da porta de um desfile tentando, em vão, convencer alguém a deixá-los entrar.
Segure minha mão (ou melhor, minha bolsa que não cabe nada) e me siga nessa descida.
"Deixai toda esperança, vós que entrais."
(Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate.) – Inferno, Canto III
1º Círculo – O limbo dos wannabes
O primeiro círculo não tem sofrimento explícito. Mas é exatamente isso que o torna ainda mais angustiante. Aqui habitam os esquecidos: os que estão perto o suficiente para ver, mas longe demais para participar. Pessoas com acesso aos afterparties, mas que nunca entram nos desfiles, sabe?
Eles andam pelo Marais vestindo looks emprestados, tiram fotos em frente a portas de desfiles esperando que alguém pense que são convidados, e entram no Café de Flore apenas para postar um story. Pobres almas!
2º Círculo – Luxúria pelo hype
Aqui vivem os que confundem moda com um carrinho de compras sem fundo. Seu desejo não é pelo design, pela criatividade ou pela inovação – mas pelo último drop, pelo que está nas prateleiras da Dover Street Market no momento, pelo que viralizou no TikTok na semana passada.
O castigo? Eles estão eternamente presos em um provador minúsculo, tentando vestir um look viral – mas cada peça sempre sai do tamanho errado, desconfortável, impossível de fechar. O pior? Assim que conseguem colocá-la no corpo, a tendência já morreu. A cada minuto, um novo must-have surge, e eles precisam começar tudo de novo, em um ciclo sem fim.
3º Círculo – A gula por convites
Os habitantes desse círculo não desejam comida. Eles desejam acesso. A angústia de não estar na primeira fila, de não receber um convite impresso.
Eles se aproximam dos PRs com um brilho de desespero nos olhos: "Querida, você viu meu email? Fui convidada para o evento ano passado..."
Aqui, a punição é cruel: ser eternamente convidado para um desfile... mas nunca conseguir chegar na hora. O Uber está preso no trânsito. O motorista foi para o endereço errado. O inferno é esse.
4º Círculo – A avareza dos VIPs
Os que transformaram convites, presentes e exclusividade em moeda social. Para eles, é preciso ser vistos nos lugares certos, usando as peças certas, rodeados pelas pessoas certas. O convite, a primeira fila, o jantar exclusivo são mais valiosos do que qualquer criação artística ou conexões genuínas.
A punição? Eles estão eternamente condenados a serem convidados para todos os eventos – mas sempre no horário errado. Chegam quando a festa já acabou, quando os desfiles já desmontaram as cadeiras, quando o jantar foi servido e só restam migalhas na mesa. Não importa o quanto tentem, tudo sempre acontece um passo à frente deles.
5º Círculo – A ira da primeira fila
O ódio não se manifesta em gritos, mas em olhares de puro desprezo. Aqui habitam os veteranos da indústria que foram empurrados para a segunda fila para dar espaço a influencers. Editores de moda que passam metade do desfile analisando quem está sentado onde, em vez de olhar para o show.
O castigo? Passar a eternidade assistindo desfiles sem direito a um assento. Sempre em pé. Sempre atrás de um homem alto com um chapéu gigante.
6º Círculo – Os hereges da moda
Aqui estão os que confundiram provocação com descuido, os que acreditaram que quebrar todas as regras do vestir os tornaria inovadores. O estilo, para eles, nunca foi sobre personalidade – foi apenas um jogo de exageros.
O castigo? Estão eternamente condenados a usar looks que desafiam qualquer lógica – mas não de um jeito interessante. Ombreiras tão grandes que os fazem esbarrar em tudo. Sapatos tão ridículos que os impedem de andar. Tecidos tão rígidos que não permitem que se sentem. Cada tentativa de movimento vira um desconforto absoluto — e eterno.
7º Círculo – A Violência
Aqui vivem os que torturam a si mesmos para parecerem estilosos. Quem usa salto agulha de 15 cm para um desfile às 9h da manhã. Quem usa óculos escuros à noite em um after party e passa a noite inteira tateando paredes.
A punição? Seus pés nunca deixarão de doer. E seus óculos escuros nunca sairão do rosto – mesmo quando não puderem enxergar mais nada.
8º Círculo – A Fraude
Aqui jazem os falsos entendedores de moda. Os que decoram discursos prontos, mas não sustentam uma conversa real. São especialistas em parecer especialistas – desde que ninguém faça perguntas difíceis.
O castigo? Estão eternamente condenados a dar entrevistas espontâneas para insiders de verdade. A cada pergunta – “Quais são suas referências?”, “O que você achou da nova coleção?” – suas mentes ficam em branco.
9º Círculo – A Traição
Aqui estão os traidores da moda – aqueles que negam suas próprias referências, que esquecem suas raízes para seguir o que está em alta, que trocam originalidade para se tornarem… virais.
O castigo? Eles estão condenados a mudar de estilo a cada 24 horas – sem controle sobre isso. Um dia, acordam vestindo um look indie sleaze completo; no outro, um clean girl aesthetic desalmado. A cada novo dia, uma nova persona sem identidade. Eles queriam ser tudo – agora, não são nada.
Nem só de pecadores vivem as semanas de moda. Vamos aos meus highlights das tendências que fisgaram minha atenção durante a Paris Fashion Week:
Renda
Nada dessas rendas com cara de lembrancinha de batizado. A da vez é ousada, boêmia, rocker ou até meio gótica. McQueen trouxe drama, Valentino foi vintage, Chloé segue boho e Isabel Marant misturou com couro e atitude. A lição? Sensualidade se faz com texturas.
Polka dots
O poá apareceu tanto que quase virou um ponto de exclamação. Moschino, Isabel Marant e todo o street style das últimas semanas de moda apostaram forte. Pequeno, maxi, irregular… o que importa é que o clássico está de volta, mas sem cara de roupa de vovó.
Peles
As peles também dominaram as passarelas — oversized, volumes exagerados e aquele toque glamouroso. Um luxooo!
Xadrez
O clássico xadrez voltou, mas sem aquela cara de britânico engomadinho. Ganni trouxe sua versão cool escandinava, Isabel Marant puxou pro grunge — um dos meus favoritos da temporada!
Ombreiras & Silhuetas
Ombreiras estruturadas, shapes com personalidade e zero medo de ser too much.
Junya Watanabe fez o que faz de melhor: reinventou as formas com ousadia.
Mix de estampas e texturas
Sabe aquele caos visual calculado? Ele voltou — se é que algum dia foi embora.
Dica: se fizer sentido demais, provavelmente tá boring.
Essa edição se superou! 👏🏻👏🏻👏🏻 Dante deve estar querendo reencarnar para continuar sua obra. ♥️♥️♥️ bacio, bella 😍
Achei divertidíssima essa edição!